/A Eficácia da Psicanálise: Os Finais do Tratamento

Jorge Forbes

Discutir a eficácia da psicanálise sob o prisma dos finais possíveis do tratamento é ir direto ao assunto.
O termo eficácia há muito desapareceu do vocabulário psicanalítico junto com outros tais como: diagnóstico, prognóstico e tratamento.
Em latu sensu, eficácia remeteria a atingir um determinado estado de saúde, da maneira menos dolorosa e mais rápida possível.

Quando se diz “um determinado estado de saúde” se está fazendo referência a um padrão. Estados padronizados são incompatíveis com o que se espera que um paciente alcance numa análise, que, ao contrário, deve promover a possibilidade da articulação de um particular no universal de um padrão, em outras palavras, deve ser possível um padrão que abra espaço às diferenças.

A contaminação médica, se assim podemos dizer, do termo eficácia foi uma grande responsável pelo afastamento do emprego dessa palavra. Por outro lado, ao fazê-lo, ao não querer confundir psicanálise com medicina não se atentou a uma outra armadilha; o de transformar a psicanálise em uma prática que, ao não se poder criticar com as medidas desse mundo, passa a se garantir no mundo do além, transformando-se em mais uma prática mística ao lado da Astrologia, do Tarô, etc.
De nada adianta tirar o branco avental da pureza médica se for para substituí-lo pelas mortalhas dos magos e dos gurus.

Desnecessário dizer que não defendo a idéia de abandonarmos o termo eficácia dado o perigo da confusão. A se prosseguir nesse método, de calar sobre o que é difícil, o silêncio do analista será mais disfarce de ignorância que recurso de uma técnica.
Haveria assim dois rochedos a evitar na condução do barco da eficácia da psicanálise: de um lado a eficácia médica, do outro a eficácia mística. Nossa bússola não deve se satisfazer de, à semelhança de um radar, somente anunciar os obstáculos. Precisamos de uma teoria positiva para nortear a eficácia da psicanálise vista quanto ao fim do tratamento.

Como se garantem a eficácia médica e a eficácia mística? Guardando um certo espaço para variações pequenas, na medicina vale com reserva o ditado: “- o que é bom para todos o é também para cada um”. Se não fosse assim seria impossível o emprego da estatística como principal instrumento na avaliação da eficácia de um tratamento. Temos, portanto, o resultado padronizado como idéia orientadora do tratamento.
Na eficácia mística, diferentemente, não é o coletivo do resultado que define a boa eficácia. Os santos são tomados um a um. São as particularidades de suas vidas, os exemplos de virtude. Não existe a comunidade dos santos com o mesmo comportamento, da forma que existe a comunidade dos afebris com menos de 37 graus de temperatura.
Se não é a norma transversal do coletivo empregada na medicina, o que é então que garante essa eficácia mística? É a norma vertical da filiação; “– minha vida é uma imitação de Cristo”, ou – “faço isso porque estava escrito nas estrelas”. Assim, cada um pode manter sua diferença, se igualando no ancestral comum.

E a psicanálise? – Que é nossa questão. Lacan, bilaquianamente, a vê como a última flor da medicina: – “O curioso é que Freud pensava que ele fazia ciência. Ele não fazia ciência, ele estava produzindo uma certa prática que pode ser caracterizada como a última flor da medicina”.
A eficácia da psicanálise não visa, como fim de tratamento, o estabelecimento de nenhum significado estável, sejam eles o transversal da comunidade ou o vertical da filiação, isto porque num ou noutro modelo há a conjunção plena de saber com a verdade, que poderíamos formular assim:

1. Eu sei que é verdade o conforme a maioria.

2. Eu sei que é verdade o conforme ao pai.

Avançamos então uma tese: a eficácia da psicanálise se norteia pela disjunção, pela não adequação de nenhum saber à verdade.

As fórmulas ‘1’ e ‘2’ podem exemplificar maus fins de tratamento. A fórmula ‘1’ seria o abandono de uma análise quando da resolução de um sintoma incômodo. São as análises pronto-socorro e reiterativas. A fórmula ‘2’ é quando se abandona uma análise porque “já se está analisado”. Possivelmente não há pior fetiche que o exercício de uma certeza perversa garantido em uma suposta análise concluída, ou, pior, em um analista famoso.

Não tratarei de outros tipos de interrupções de análise também importantes e infelizmente comuns, como as justificadas por falta de dinheiro ou por não ter mais o que dizer.
Dou minha posição quanto a pensar que o final do tratamento daquele que quer ser analista é distinto daquele que não o quer, os chamados leigos. Penso que não há nenhuma e nem poderia haver. Final de análise não é exercício de vocação. Essa seria uma justificativa que apazigua o bom senso, mas que não resolve o problema.
Diferentemente desses exemplos, o “bom” final de tratamento compatível com a eficácia da psicanálise, em si mesma, deve, como já dito, se nortear pela disjunção do saber e da verdade e os fenômenos dela conseqüentes.
Poderia se prestar a uma terceira fórmula:

3. Eu sei que a verdade é inconforme a qualquer dizer.

Ela, a verdade, está aquém e além do saber.

Em termos espaciais, o que está aquém e além de algo pressupõe o espaço desse algo, que seria finito e além e aquém seria o infinito. Teríamos então o saber como um elemento finito e a verdade, que lhe ultrapassa aquém ou além, como elemento que se recusa à adequação representativa do dizer, infinita.
É o que nos sugere a leitura de “Análise finita e infinita” de Freud. (Não entraremos nas querelas da justa tradução de ‘Endliche’ e ‘Unedliche’ no âmbito desse trabalho).

Em seus termos, a infinitude é constatada pela manutenção no final da análise, na sua finitude, da atitude do ‘repúdio da feminilidade’ nos homens e da ‘inveja do pênis’ nas mulheres.
Assim ele se expressa: “- Em nenhum ponto de nosso trabalho analítico se sofre mais da sensação opressiva de que todos os nossos repetidos esforços foram em vão, e da suspeita de que estivemos ‘pregando ao vento’, do que quando estamos tentando persuadir uma mulher a abandonar seu desejo de um pênis, com fundamento de que é irrealizável, ou quando estamos procurando convencer um homem de que uma atitude passiva para com os homens nem sempre significa castração e que ela é indispensável em muitos relacionamentos na vida”.

Se entendermos que a “inveja do pênis” e o “repúdio da feminilidade” são duas formas de constatar a castração, ou, em nosso vocabulário até aqui usado, de referir a partir do finito, o infinito, ou a partir do saber a verdade, concluiremos que o que se impõe pensar não é como padronizar uma resposta, dado ser impossível, mas como operar a disjunção do saber e da verdade, do consciente e do inconsciente, porque não dizê-lo?

Examinaremos, sobre isso, uma inquietante frase de Lacan: “– Eu peço desculpas se o que digo parece – o que não é – audacioso. Eu só posso testemunhar aquilo que minha prática me fornece. Uma análise não deve ser levada muito longe. Quando o analisando pensa que ele está feliz da vida, basta”.
A frase soará muito estranha se entendermos esse “feliz da vida” no sentido coloquial. Se fosse assim estaria aberta a porta para a psicanálise como adequação ao status quo. Mas se, por outro lado entendermos que esse “feliz da vida” responde contestando a fraqueza moral daquele que se acovarda com a falta de garantia de sua existência, então o comentário será bem mais proveitoso.

Qual o limite do que cada um pode saber, o que o discurso analítico gera como saber, sobre a verdade do analisando? “– Nada que não tenha a estrutura da linguagem, em todo caso donde resulta que até onde irei dentro desse limite é uma questão de lógica”.
O limite de que um analisando pode saber no decurso de seu tratamento é uma questão de lógica.
Nos dois rochedos dentre os quais estamos navegando o nosso barco da eficácia da psicanálise o limite do que eu posso saber se acomoda, como já desenvolvido, em um padrão e tudo aquilo que não o satisfaz – o padrão – é considerado como um excesso sem importância. É lixo. Por isso a sensação de certeza daí decorrente, pois o que sei é verdade e é verdade o que sei.

O limite do saber do analisando sendo a lógica, no caso a do significante verificada em sua associação livre põe a questão do final do tratamento não em um padrão de comportamento finito, mas numa referência ao infinito, sendo o inconsciente o infinito.

Exemplifiquemos com Gauss. Por volta de 1800 este geômetra decide provar a demonstração até então capenga do quinto postulado de Euclides. Para tanto emprega o método do absurdo, ou seja, busca provar que a passagem de mais de uma reta por um ponto exterior a uma reta dada é verdade. Esperando falsificar a hipótese o que ocorre é que a comprova. É um enorme susto, pois então a geometria de Euclides não é a única válida, há outras geometrias que igualmente são válidas, e assim, uma vez que uma geometria é um ponto de vista, há vários pontos de vista válidos. A lógica só pode falar de uma verdade enquanto referida a um sistema e não a todos os sistemas possíveis.
Assim também se dá em uma análise. A verdade que se obtém através do saber construído pela associação livre é circunstancial àquele sistema de prova, não sendo válida em outros possíveis.

Conclui-se então que o obtido é um saber verdadeiro contingente e finito. O fato disso ser assim é estrutural do humano, é o que Freud chamou de Pulsão de Morte e alguns de seus seguidores, mal compreendendo, pensaram que era resistência. Para se estar “feliz na vida” é necessário a articulação da pulsão de vida com a pulsão de morte. E se quisermos, em outros termos, não nos cabe tamponar com a mentira do sintoma o que falta de saber à verdade, mas sim cabe engendrar este vazio.
“Se o inconsciente não pensa, não calcula, não julga, ele é tanto mais pensável”. Por isso, no final da análise ele serve de ponto morto no infinito para engendramento da vida.
Há vários pontos de vista e a contingência dessas verdades pode assustar os amantes das garantias padronizadas.

O final de análise deve deixar o sujeito na possibilidade do cálculo de sua posição em relação ao inconsciente infinito. Nenhuma esperança que amanhã vá ser melhor quando saber e verdade se complementem. Nem medicina, nem bruxaria.

Há que sobrar talento no manejo das irrupções de verdade no nosso saber cotidiano e, se isso se der, isso basta.

(artigo publicado em: Capítulos de Psicanálise – Biblioteca Freudiana Brasileira (coletânea), nº 16, 1990, pp. 33 a 39)