/O dia de todo mundo

Jorge Forbes

Nem todas as datas são universais. Um aniversário quer dizer muito para quem faz anos, e para os seus mais íntimos; uma formatura, já vai além no interesse, mobiliza mais gente; como um casamento, as solenidades religiosas, as paradas cívicas e assim por diante. Talvez fosse divertido encontrar a ordem das datas que têm um significado só para uma pessoa – o dia em que viu o mar, que andou de avião, que amou – e aquelas que não deixam a ninguém indiferente. Seguramente, no topo da coluna do dia de todo mundo deveria estar colocado o primeiro de janeiro, a hora zero do dia primeiro.

Nada mais universal que o primeiro dia do ano, quando todos estão de acordo: começa um ano novo. Só por isso poderia ser considerado o dia do estamos entendidos, da compreensão global. Começamos, vamos. Para onde? Lá, isto, é uma outra questão.

Mesmo que haja calendários diferentes, não importa, todo ano começa no primeiro de janeiro independente da vontade de católicos, judeus, muçulmanos ou guaranis.

Mas o que é esta data? Sim, porque na maioria das datas temos um padrão, nós as comemoramos, o que, como diz o nome, é um brinde da memória; comemorar é se valer da memória, do conhecido. Podemos comemorar tudo aquilo que já aconteceu: a República, um ato heróico, o Natal… Quanto ao ano novo, só podemos festejá-lo mas não comemorá-lo, o que seria incongruente, pois é novo. E o ano novo, mesmo quando tentamos aprisioná-lo em planos, em certezas, em horas, ele é sempre uma surpresa.

Nosso mundo ocidental parece ter escolhido, como berço dos anos-novos, Nova Iorque, mais especificamente a Times Square. Reúnem-se milhares de pessoas nas ruas. Milhares, todas elas de olho fixado em uma grande bola no topo do edifício central da praça. Nas semanas anteriores os jornais se encarregaram em esmiuçar o tamanho da bola, seu custo, peso, quem a construiu, o material empregado e por aí mais. A bola, a zero hora vai subir, abrir-se e dela cairá uma chuva de papel picado. Todo mundo sabe. Começa a contagem regressiva: quatro, três, dois, um, bum! Todos sabiam mas mesmo assim se surpreendem: ei-lo! É semelhante a um gol de pênalti: o estádio fica de pé, o silêncio expectante, o goleiro nem pisca e o batedor treme. Dado o apito, acompanha-se a corrida, o chute: Gol! E se pula e se abraça e se berra. E mesmo com toda a cena estabilizada para melhorar a nossa atenção, cada um percebeu um detalhe só seu, particular. 0 gol é um gol para todos, mas o sentido do gol é diferente para cada um.
Que raios é um ano novo?

Conta-se uma história que um homem resolveu voar, decolando do vigésimo andar de um prédio. Já em pleno vôo, ao passar pela janela do décimo andar, uma faxineira sua amiga, perguntou-lhe: – “Como é que vai?” e ele então respondeu: – “Até aqui, tudo bem”. Moral da piada: mesmo em face da maior evidência, seja o chão, ou uma bola, tem momentos na vida de absoluto desconhecido, de pura surpresa a enfrentar.

“Como você vai passar o réveillon?” Perguntam-se os amigos. Escutam-se três tipos de resposta: a primeira do sujeito indiferente, acima das circunstâncias, denunciador da comercialização do afeto e da imposição dos costumes: – “Eu, sei lá, talvez dormindo, ou pego um cineminha. Nem pensei ainda… verei no dia”. Um segundo tipo, oposto a este, com antecedência procura o melhor réveillon. Não pode perder a chance de pegar uma carona na mudança do tempo; acha que se o ano muda, por que não ele? E fica aflito para fazer todo o necessário para ser aceito no ano novo: a melhor cidade, um cruzeiro de navio, sete pulos nas ondas do mar, lentilhas à meia noite, calcinha amarela, um beijo pontual, três pedidos, e se houvesse fantasia de rojão ou cascata, não recusaria. Finalmente, imaginemos o terceiro tipo; para ele o ano novo é inevitável. Não dá para disfarçar que nada ocorreu, como o primeiro, nem pensar-se igual a relógio de criança, que anda quando a criança anda, que muda quando o ano muda, tal qual o segundo. Feliz Ano Novo! Ah, que responsabilidade… Para começar há que se definir o que se quer, equilibrar o desejo com o querer – como é difícil desejar o que se quer – depois, bem, depois é saber que passado um ano virá a hora do balanço na forma de julgamento, do quanto você quis o que você desejou.

Ou será que precisava de mais um ano? Ou, intimidado com a pergunta: – “E o ano novo?”, limita-se, como o outro, a responder: – “Até aqui, tudo bem”.