/“Você quer o que deseja?”, acontecimento em 2003.

Artigo de Washington Olivetto. Edição de fim de ano da Folha de São Paulo, 31 de dezembro de 2003.

TENDÊNCIAS/DEBATES
(pg. 3 do primeiro caderno)

Pode me chamar de Poliana

Em 2003, Maria Rita lançou CD e DVD, cantou e encantou de A a Z, começou o ano como filha e terminou como mãe. David Letterman foi pai.

Daiane dos Santos inventou o duplo twist carpado e jogou a ginástica olímpica brasileira pro alto. Schumacher foi hexacampeão mundial de Fórmula 1 e teve o bom senso de reconhecer que não é melhor que Fangio.

Nossos rapazes do vôlei disputaram a Liga Mundial e venceram. Ana Mozer lançou sua autobiografia, “Pelas Minhas Mãos”, e também venceu.

Beatriz Milhazes pintou e bordou na Bienal de Veneza, Vic Muniz e Ernesto Neto brilharam nas exposições internacionais e Arthur Bispo do Rosário foi mais endeusado do que nunca.

Em 2003, o Instituto Terra, de Lélia e Sebastião Salgado, foi pra mídia, e as pinturas de David Hockney foram pra Oca. Gisele Bündchen permaneceu linda, os biquínis e as sandálias brasileiras tomaram conta de todos os verões e a bossa nova continuou sendo a trilha oficial do planeta bom gosto.

Paris Hilton fez sexo e vídeo com o namorado Rick Salomon, gerando um escândalo na internet. Rita Lee fez “Amor e Sexo” com Roberto de Carvalho e Arnaldo Jabor, gerando um disco que é um escândalo.

Marta Suplicy casou de novo e Madre Tereza de Calcutá foi beatificada.

“O Segredo de Joe Gould”, de Joseph Mitchell, e “A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista”, de Joel Silveira, foram publicados; “A Sangue Frio”, de Truman Capote, reeditado, e Fernando Morais virou candidato à Academia Brasileira de Letras.

Os americanos sabotaram as batatas fritas por causa dos franceses, os franceses explicaram que, na verdade, as batatas fritas são belgas e Oscar Niemeyer iniciou a construção da Fundação Ravello de Arte, Música e Cultura, obviamente na costa italiana.

O Cruzeiro ganhou o primeiro Campeonato Brasileiro por pontos corridos, o que foi muito justo, mas seria melhor se fosse o Corinthians, e o Palmeiras deixou a segundona tão emocionante que eu acho até que isso devia acontecer todo ano. O Real Madrid levou o Beckham pra Espanha, o Ronaldo e o Roberto Carlos levaram o Beckham pra farra e o Zidane levou o título de melhor jogador do mundo.

O Papa João Paulo 2º comemorou 25 anos de papado, o motor bicombustível foi criado, Saddam Hussein foi pego

O Hotel Fasano foi inaugurado, Caetano deu show no Baretto, Laurent Suaudeau foi eleito o “chef” do ano e Rod Stewart lançou “The Great American Songbook, Volume 2”.

O cinema brasileiro produziu filmes como “Lisbela e o Prisioneiro”, “Carandiru” e “A Taça do Mundo É Nossa”, e todos bateram recordes de bilheteria.

O cinema americano produziu mais um “Matrix”, que o lacaniano Jorge Forbes analisou em “Você Quer o que Deseja?”, e o cinema canadense produziu “As Invasões Bárbaras”, que é o melhor filme italiano feito fora da Itália em todos os tempos.

O Rio se candidatou a sede da Olimpíada de 2012, a China entrou pro clube dos países que já mandaram homens pro espaço e Zeca Pagodinho cantou “Maneiras” com O Rappa. Kaká assinou com o Milan, Nelsinho Piquet com a Williams e Guga com a recuperação.

O Papa João Paulo 2º comemorou 25 anos de papado, o motor bicombustível foi criado, Saddam Hussein foi pego e o Carandiru descontinuado.

Lula ganhou o prêmio Príncipe das Astúrias na Espanha, visitou quase 30 países e achou Windhoek, na África, bem limpinha.

“Mulheres Apaixonadas” quebrou recordes de audiência na televisão falando de homossexualismo, traição e violência urbana, e o ministro Márcio Thomaz Bastos quebrou recordes de centimetragem nos jornais falando de arremesso de veados.

O risco Brasil diminuiu, a Bolsa subiu e o dólar caiu.

Enfim, 2003 foi um ano bom e divertido. No Brasil e no mundo.

Tanto que eu até esqueci que os EUA invadiram o Iraque mesmo sem a autorização da ONU, que o PCC cometeu atentados em São Paulo, que o Fernandinho Beira-Mar governou o Rio a distância, que Israel começou a construir um muro que separa a Cisjordânia, que a economia brasileira não andou, que os meios de comunicação sofreram dificuldades econômicas terríveis, que jovens acampados em São Paulo foram mortos, que o ônibus espacial Columbia explodiu no Texas, que a publicidade se manteve medíocre e não-lucrativa, que inventaram o recadastramento de idosos com mais de 90 anos no INSS, que Schwarzenegger foi eleito governador da Califórnia e que o Sérgio Vieira de Mello foi morto num ataque à sede da ONU no Iraque.

Washington Olivetto, publicitário, é presidente e diretor de criação da agência W/Brasil.